sexta-feira, 27 de dezembro de 2013

Brito & Freire. Gente braba! Por Pedro Salviano Filho

Nesta coluna já foram apresentados vários temas envolvendo famílias e fazendas pioneiras que deram origem ao povo arcoverdense. Famílias que se estabeleceram no início do século 19 quando as primeiras casas da vilazinha Olho d´Água começaram a surgir (parece que somente a partir de 1860 os registros eclesiais começam a mostrar o nome Olho d´Água dos Bredos). Eram moradoras das fazendas dos vaqueiros sertanejos, pioneiros da nossa região. Duas dessas famílias são agora o tema desta coluna: Brito e Freire. Vários pesquisadores apontam como origem do tronco Brito um inglês, filho de uma holandesa, que aqui adotou o nome de Francisco Ricardo Nobre que, casando-se com Theresa de Jesus Maria, em Jabitacá, na fazenda Volta, Ribeira do Pajeú, tiveram muitos descendentes, hoje espalhados pelo mundo. Já a família Freire teve origem no português Sérvulo José Freire e sua esposa Ana Pacheco do Couto (filha de Leonardo Pacheco Couto).

Iniciamos com os relatos do pedrense Victorino Freire, no seu livro A Laje da Raposa. Memórias, 1978, página 15:
«Meu pai, Victorino José Freire, de quem herdei o nome, era fazendeiro e comerciante, atuando, também, na política local, na Vila de Olho-d'Água dos Bredos e Pedra, município de Cimbres, desenvolvido o bastante para ser a cabeça da comarca, vizinho dos importantes distritos de Pesqueira e Mimoso.

Meus bisavós paternos, ainda muito jovens, se estabeleceram no interior de Pernambuco e ai fundaram uma vila, à qual chamaram de Olho-d'Água dos Bredos. Anos mais tarde, o nome foi mudado para Rio Branco, sendo posteriormente substituído por Arcoverde, homenagem ao Cardeal Joaquim Arcoverde que lá havia nascido.

Existia naquela época uma acirrada luta politica entre os Brittos, que moravam em Pesqueira, Ipojuca, Cimbres e Mimoso, e os Freire, Arcoverde, Pacheco, Cavalcanti de Albuquerque e Siqueira, de Olho-d'Água dos Bredos e Pedra.

Frequentemente, por ocasião dos pleitos eleitorais, a luta das famílias trazia perspectivas trágicas, e era sempre um sobressalto quando um Britto e um Freire encontravam-se pelas estradas da região.
Quis o destino que meu pai, numa ida a Cimbres, conhecesse Anna de Britto, aquela que viria ser minha mãe.

Os Britto, do lado de minha mãe, ao saberem que existia um namoro entre Anna e um Freire, ela com dezesseis anos na época, reuniram um conselho de família para por fim ao problema. Decidiram que ela seria mandada para outra cidade, Pajeú das Flores ou Varas, onde viviam alguns parentes.

A jovem Anna, porém, fez pé firme reafirmando seu desejo de casar-se com Victorino, meu pai.
Reunido novamente o conselho de família, foi convocado um tio de Anna, o velho Chico de Britto, que era o mais ouvido pela família. Chico de Britto era fazendeiro em Mimoso; homem religioso, mas muito violento. Ladrão de cavalos que passasse na área de influência de Chico de Britto de lá não saía vivo, e a punição pelo roubo de animais com a pena de morte passou a ser conhecida como a "lei de Chico de Britto".

Pois foi o velho Chico de Britto quem resolveu o assunto, argumentando que casamento nada tinha que ver com política, e que, além do mais, se fosse consentido por ambas as famílias haveria a possibilidade de se acabar com uma luta que já atravessava gerações.

E assim aconteceu o casamento, num clima de grande expectativa e que se transformou no marco de paz entre as duas famílias.

Do casamento de Victorino com Anna, nasceram 17 filhos dos quais criaram-se 12, nove homens e três mulheres: Elpídio, Euclides, Benjamim, José, Severiano, Victorino, Arquimedes, Milton e Pedro; Alzira, Dulce e Nair.

Ainda moços, faleceram Elpídio, Alzira, Arquimedes, Euclides e Benjamim. Dos demais, alguns ficaram em Arcoverde, como Severiano, Pedro, Milton, Dulce e Nair, onde se casaram e constituíram família. Eu e José viemos para o Rio de Janeiro, anos mais tarde. Passei minha infância em Arcoverde, até 1917 [ver também http://goo.gl/EueUGN ].

Em companhia de meus irmãos, aprendi a trabalhar na fazenda, tomando conta do gado e presenciando as lutas políticas de meu pai pelo controle do município. Minha mãe, extremamente enérgica com os filhos, acordava-nos a cada segunda-feira às 5,30 horas da manhã para irmos ao colégio, com as seguintes palavras: "Hoje é segunda, amanhã é terça, e depois já é quarta; metade da semana já passou e ainda ninguém fez nada! Para fora das camas!" E ai de quem se atrasasse! — a palmatória de braúna era um argumento muito eficaz para que pulássemos da cama...

Meu pai dividia seu tempo entre a fazenda, os negócios e a politica. Não raro, entretanto, envolvia-se em questões e lutas de sua família contra grupos de bandidos armados, na época coisa típica da região. Um desses conflitos ficou de tal maneira conhecido que acabou virando história e cantiga do folclore nordestino.
Existia nas redondezas de Pesqueira uma malta de cangaceiros conhecida como "Os Guabirabas"; eram três irmãos e um cunhado, assassinos por índole, cada qual pior que o outro. Face aos permanentes tumultos criados pelos Guabirabas, o velho Delfino Batista, delegado de Pesqueira, solicitou ao presidente da Província auxílio policial para pôr fim à situação. Não obtendo o reforço pedido, renunciou ao cargo, entregando-o ao suplente, Liberato Britto, nosso parente.

Logo ao assumir a delegacia, Liberato mandou avisar aos cangaceiros, que aos sábados sempre faziam arruaças na feira da cidade, que estava assumindo a delegacia e passaria a exigir ordem. Os cabras mandaram um recado de volta dizendo que não tomavam conhecimento do novo delegado, e que no sábado estariam na feira. O recado partira de Cirino, o mais perigoso de todos.

Liberato reuniu a família, juntou seus cabras de confiança, e jurou por sua honra que se os Guabirabas aparecessem ou eram presos ou morriam. Sendo Liberato nosso parente, meu pai, em companhia de dois de seus cabras, Manuel Pau Ferro e Cassiano, partiu rumo a Pesqueira para com Liberato esperarem a feira de sábado.

O sábado chegou com todo mundo preparado. Por volta das dez horas da manhã, apareceu um moleque em casa de Liberato com um recado de Cirino, dizendo que estava em Pesqueira, e se duvidassem ele acabava com a feira. Liberato reuniu a cabroeira, pronto para o que desse e viesse. Naquele instante, chegava o Coronel Ildefonso Freire, que fez ver a Liberato os riscos de um tiroteio na feira, pois conhecendo o Guabiraba sabia que ninguém o pegaria sem violenta reação, o que poderia causar vítimas inocentes. Ponderou que uma fera como aquela só se pegaria bem no mato. Sugeriu emboscá-lo na ladeira que sai de Pesqueira para Jatobá e passar-lhe fogo. Liberato, acolhendo a sugestão, mandou avisar a Cirino que o estava esperando na saída da cidade.

Cirino saiu da feira para enfrentá-los. Chegando no início da ladeira, apeou-se do cavalo, apertou as cilhas, verificou as armas e tornou a montar. No meio da ladeira sentiu o cavalo amedrontado e subitamente parou. 
Foi quando Chico Ramalho, um dos cabras de Liberato, saiu de dentro do mato, correu para o cavalo de Cirino e agarrou-lhe as rédeas. O bandido passou-lhe a pistola e partiu-lhe o ombro ao meio. Nesse instante, outro cabra de Liberato, chamado João Luz, correu para Cirino, sendo mortalmente ferido pelo bandido. João Luz, sentindo que estava morrendo, ainda teve forças para gritar para Zé do Carmo, chefe dos homens de Liberato:
* Não afrouxe o cangaceiro! Vamos ver lá no inferno quem conta a história primeiro.
Do lado de Zé do Carmo, o cabra Chico Cabrita atirou em Cirino gritando:
* Cabra, tens o couro seco e quero ver a tua fama!

Na pressa de atirar, errou e o Guabiraba passou-lhe fogo gritando ao mesmo tempo:
* Não lhe mostro a minha fama, mas cabra perca o costume de atirar à traição!
O cavalo de Cirino saltava para todos os lados, o que fez com que o bandido também
errasse o seu tiro. Cassiano correu para o bandido atirando. Cirino atirou de volta. Cirino ficou ferido na perna e Cassiano saiu cambaleando também ferido.
Ao ver Cassiano encolhido na beira da estrada, meu pai perguntou-lhe:

* Cassiano, estás esmorecido, cabra?
* Não senhor, Coronel, eu tô é baleado no figo — respondeu o cabra.

Zé do Carmo saltou na frente de Cirino e passou-lhe o bacamarte. O tiro de arma pesada varou-o de lado a lado. Caindo do cavalo, quase morrendo, o cangaceiro ainda disse a Zé do Carmo:
* Moleque, sinto não poder matá-lo!

A carga do bacamarte de Zé do Carmo era de trinta caroços de chumbo grosso e duas balas de bronze. O cavalo de Cirino disparou e ninguém conseguiu pegá-lo, correndo de volta, sem cavaleiro, até a fazenda dos Guabirabas.

Os bandidos, ao verem o cavalo do irmão, deduziram o que havia acontecido. Reunindo-se os dois irmãos restantes com o cunhado e a mulher de Cirino, prometeram que a morte do irmão seria vingada, custasse o que custasse.

João, o irmão mais velho e líder do grupo, sentenciou:

* Vou afiar meu facão. Amanhã entro na casa do assassino de me irmão e não deixo ninguém com vida.
E saíram em demanda de Pesqueira dispostos a cumprir o juramento. Chegando próximo à ladeira onde fora morto o irmão, os Guabirabas, a título de provocação, sangraram até à morte um velhinho chamado Taveira .
Liberato, cabra valente, moveu-lhes implacável perseguição e os
bandidos fugiram para um lugar chamado Bom Nome, de onde nunca mais voltaram. Ainda hoje as antigas famílias da região lembram seus nomes e suas façanhas. 

Vários autores, entre eles Ulysses Lins de Albuquerque (“Um sertanejo e o sertão”), Luís Wilson (vários livros) e mais recentemente (2003) Yony Sampaio & Geraldo Tenório Aoun (“Francisco Ricardo Nobre, o inglês da Volta e sua descendência”) pesquisaram sobre essas famílias nordestinas. Compilação desta matéria pode ser acessada em http://goo.gl/AENvtP 

Mais artigos desta coluna: http://goo.gl/lWA4Hv

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