terça-feira, 29 de julho de 2014

Rombo do sistema de aposentadoria e pensão deve alcançar R$ 65 bilhões neste ano

O rombo da previdência pública, no chamado Regime Próprio de Previdência (RPPS), não para de crescer. Os desembolsos do governo federal para cobrir o buraco deixado pelo volume insuficiente de contribuições para custear as aposentadorias e pensões dos servidores aumentaram 6,2% apenas nos primeiros cinco meses deste ano, de acordo com o Tesouro Nacional. No período, houve um deficit de R$ 25,116 bilhões para bancar apenas 1 milhão de inativos — ou seja, R$ 5 bilhões por mês. A quantia foi bem superior à desembolsada para financiar o Regime Geral de Previdência (RGPS), que atende mais de 31,5 milhões de pessoas no país (R$ 18,9 bilhões).
Segundo especialistas, não vai ser fácil estabilizar a fatura, que está cada vez mais pesada, sugerindo que o sistema que rege o RPPS é insustentável. A necessidade de financiamento da previdência pública mais que dobrou nos últimos 12 anos. Em 2002, no governo FHC, o buraco era de R$ 28,1 bilhões. Em 2010, no governo Lula, o deficit alcançou R$ 57,8 bilhões. A presidente Dilma Rousseff também não conseguiu estancar as despesas. Em 2013, a conta ficou em R$ 62,7 bilhões. A previsão é de encerrar 2014 com rombo de R$ 65 bilhões.
Com o envelhecimento da população, o quadro tende a se agravar e o governo terá que abrir mão de investimentos para resguardar o bem-estar de alguns, assinalou o economista Felipe Salto, da Consultoria Tendências. Ele aponta ainda para outras ameaças aos gastos públicos, como a Proposta de Emenda Constitucional (PEC), em tramitação no Congresso, que elimina a cobrança de contribuição previdenciária sobre os proventos dos servidores públicos aposentados.
“Precisamos de um debate sério sobre o assunto. A sociedade tem que decidir para onde vai cada fatia do Orçamento. Tudo tem que ser detalhado, para não ficar a impressão de que de um lado estão os que são contra os velhinhos e, do outro, os defensores da terceira idade”, afirmou Salto. Uma saída, segundo ele, é o aumento da idade mínima para aposentadoria no serviço público federal (hoje em 55 anos para mulheres e 60 anos para homens). “Se vivemos mais, precisamos contribuir mais”, reforçou.

O tributarista Marcos Joel dos Santos, do escritório Cassel & Ruzzarin Advogados, concorda com o aumento da idade mínima, mas diverge na questão da PEC 555. “A retirada da cobrança previdenciária dos aposentados aumentará o deficit. Mas isso é, juridicamente, uma injustiça. Cobrar 11% dos proventos se assemelha a descontar um novo tributo, além do Imposto de Renda, que já consome 27,5%”, afirmou. Da mesma forma, o professor da Universidade de Brasília José Matias-Pereira, especialista em contas públicas, define o desconto como “um saque no salário do cidadão disfarçado sob o manto do equilíbrio das contas públicas”.
Funpresp
Apesar de preocupante, o saldo negativo da previdência pública poderá diminuir no futuro se a recém-criada Fundação de Previdência Complementar do Servidor Público Federal (Funpresp) tiver sucesso. O servidor admitido a partir de 2013 passou a contribuir com 11% até o teto do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS, de R$ 4.390,24). Para receber uma aposentadoria além desse limite, tem de aderir a um fundo privado de previdência ou optar pela Funpresp — na qual pagará, todo mês, entre 7% e 8,5% do salário total. A União contribui com o mesmo percentual.
Cada poder — Executivo, Legislativo e Judiciário — tem seu próprio fundo de pensão. O Funpresp.Exe (do Executivo e do Legislativo) já conta com 4,3 mil participantes. Em junho, a arrecadação foi de R$ 3 milhões. Já o Funpresp.Jud (Judiciário Federal e Ministério Público da União) informou que aproximadamente 70% dos novos servidores (606) aderiram. O valor das contribuições, em junho, foi de R$ 360 mil.
No entanto, o impacto do Funpresp nas contas públicas só ocorrerá a longo prazo. Nos cálculos do Ministério da Fazenda, a partir de 2040, o país economizará 0,4% do Produto Interno Bruto (PIB) por ano (mais de R$ 20 bilhões). Em 2070, a previdência do serviço público será superavitária. “O Funpresp foi uma excelente medida, mas vai demorar de 15 a 20 anos para os resultados aparecerem”, ressaltou Felipe Salto.
“A curto prazo, a tendência é o rombo do RPPS aumentar. O que pesa, no entanto, é a discussão política. O deficit só existe porque o governo, diferentemente da iniciativa privada, não contribuiu ao longo do tempo com a parte que caberia ao patrão. Sem ela, a diferença será eterna”, complementou o advogado Marcos Joel dos Santos. “Até que acabem as aposentadorias e pensões de antigos servidores, o resultado continuará negativo”, completou.
Kaizô Beltrão, professor da Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas (FGV/Ebape), explicou que parte dos servidores contribuíram até 1988 para o INSS. Ao migrarem para o Regime Próprio, seus valores não foram transferidos. “Os equívocos foram muitos. Ainda bem que o governo criou o Funpresp. Falta equalizar as idades de aposentadorias de homens e mulheres”, disse Beltrão.
Desconfiança
Há uma inquietação dos servidores em relação ao Funpresp. “O que me preocupa é que o desempenho do Funpresp está abaixo das expectativas. Poucos optaram por ele. E, se não houver adesão, ele não se sustenta. Uma derrota terá um efeito devastador de frustração”, destacou José Matias-Pereira. A desconfiança, disse, é fruto da falta de transparência e de planejamento do governo, que não conseguiu ainda convencer que, em 20 ou 30 anos, o Funpresp realmente estará estruturado e terá as mesmas regras de hoje.
Fonte: DP

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